Olhando pela net achei esses texto muito bacana de Gilberto Cotrim, bale a pena dar uma conferida.
Ficção ou realidade?
Historiadores divergem sobre interpretação de acontecimentos reais no cinema
por Gilberto Cotrim
Ficção ou realidade?
Historiadores divergem sobre interpretação de acontecimentos reais no cinema
por Gilberto Cotrim
Ao longo do século XX, o cinema tornou-se um poderoso meio de comunicação. Despertou interesse de vários estudiosos, em especial os historiadores, que se envolveram no debate sobre as relações entre o audiovisual e a história. Até que ponto o cinema poderia produzir obras históricas ou, somente, obras de ficção? E como distinguir o discurso histórico do ficcional?
Aristóteles, na sua Arte poética, estabeleceu uma distinção simples: historiador é aquele que escreve sobre o que aconteceu, já o ficcionista escreve sobre o que poderia ter acontecido. No entanto, essa distinção se turva quando admitimos que o fato não é uma matéria bruta que se impõe à percepção, mas sim a resultante de buscas movidas pela interpretação do real.
Neste debate, há uma vertente que prioriza a interpretação histórica do filme, valorizando não só as produções que se pretendem não-ficcionais, mas também as de ficção. Segundo Marc Ferro, o filme, seja ele documentário ou ficção, quando analisado em associação com o mundo que o produziu, pode prestar testemunhos da realidade representada. A hipótese desse historiador é que o filme, documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é história. Já o postulado coloca as intenções e o imaginário do homem também como parte da história.
Outra vertente desse debate reconhece as possibilidades de uma interpretação fílmica dos acontecimentos, pois o discurso historiográfico não é gênero exclusivo permitido apenas aos profissionais. Nesses casos, teremos os filmes concebidos a partir de rigorosas pesquisas. Todavia, mesmo essas produções não se isentariam de aspectos ficcionais: o desempenho dos atores, a voz, os gestos. Se, como dizia Glauber Rocha, “um filme é feito com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”, parece evidente que a câmera exibe o que a cabeça pensou. Em todos os filmes, a realidade mostrada é, antes de tudo, editada.
Assim, percebemos que as duas vertentes anteriores se combinam na medida em que história e ficção se mesclam. Um exemplo feliz dessa fusão é o filme O nome da rosa, dirigido por Jean-Jacques Annaud e baseado no romance homônimo de Umberto Eco, em que um monge investiga uma série de mortes em um mosteiro medieval. Trata-se de uma obra de ficção que recebeu elogios dos maiores medievalistas, entre eles, Georges Duby.
História e ficção, quando uma presta serviço à outra, produzem um cinema de qualidade, gerando um processo inesgotável de produção de sentidos. Talvez por isso, o cinema tenha atravessado as salas de projeção convencionais para chegar, também, às salas de aula.
Gilberto Cotrim é professor de história, mestre em educação, arte e história da cultura pela Universidade Mackenzie e autor de livros didáticos
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