terça-feira, 27 de julho de 2010

Templários: entre a cruz e a coroa...


A popularidade do mito criado em torno da Ordem esconde o papel original que os cavaleiros desempenharam no embate entre o papado e as monarquias nacionais no século XIV


A Idade Média é um tema profundamente atual. O período é hoje tema de filmes, espetáculos, romances, festas medievais, lojas e restaurantes, sites da internet, jogos como RPG etc. Mesmo de um ponto de vista acadêmico, algumas obras recentes mostram uma verdadeira obsessão pelas origens medievais da Europa e da própria União Européia.

A Ordem dos Templários constitui um dos temas que melhor ilustram o fascínio exercido pela Idade Média nos dias de hoje. Uma rápida consulta em qualquer sítio de busca na internet mostra a atualidade do interesse pela Ordem dos Templários. Muito se tem escrito sobre o caráter místico da Ordem, seu papel como guardiã de segredos e tesouros da Igreja e até mesmo sobre seu caráter “demoníaco”. Por outro lado, a própria história da Ordem fornece elementos que ajudam a entender essa lenda contemporânea. O processo movido contra a Ordem pelo rei da França, Felipe IV, no início do século XIV, na medida em que incluía acusações de heresia e bruxaria, em muito contribui hoje para a associação entre os Templários e o ocultismo.
O fato é que as apropriações contemporâneas obscureceram a originalidade e o significado da Ordem no período medieval. Em que pese sua fundação em um contexto cruzadístico (mais precisamente em 1120), a história dos Templários insere-se mais profundamente no projeto de Reforma da Igreja (também conhecido como Reforma Gregoriana), levado a cabo pelo papado a partir da metade do século XI. Este último buscou se servir da Ordem como um instrumento de transformação, de pacificação e de controle da sociedade.

Em 1139, através da bula Omne datum Optimum, os Templários foram colocados sob a proteção direta do papado, obtendo autonomia em relação às autoridades episcopais. Alain Demurger afirma que essa tendência à instrumentalização dos cavaleiros se acentuou durante as Cruzadas, já que essas peregrinações armadas rumo a Jerusalém combinavam o valor penitencial da peregrinação à ideologia dos “movimentos de paz”, intensificando o processo de sacralização da guerra empreendido pelos reformadores gregorianos.

Mas a conformação dos cavaleiros à ideologia eclesiástica não significava uma renúncia completa ao mundo, tal como acontecia entre os monges, e sim a submissão de suas atividades guerreiras aos desígnios do Cristo, como bem lembrou Jean Flori. Em outras palavras, eles se tornavam “cavaleiros de Cristo”, perfeitamente integrados à sociedade cristã e aos seus objetivos, e não mais cavaleiros em busca da simples glória terrena. É precisamente na conciliação de duas esferas até então incompatíveis – a vida militar e a vida religiosa – que reside a originalidade da Ordem dos Templários. A intervenção do rei da França, Felipe IV, que ordenou em 1307 a prisão de todos os Templários presentes no reino, o confisco de seus bens, bem como os processos políticos movidos contra eles, marcaram a crise do papado e o fortalecimento das monarquias nacionais.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Brasília vai rodar o mundo...

Exposição sobre os 50 anos da capital será montada em Portugal e Espanha. Principal atração é a maior maquete já feita da cidade

O aniversário de 50 anos de Brasília continua rendendo frutos. Está atualmente em exposição no Museu Nacional de Brasília a maior e mais completa maquete já feita da capital federal. Os brasilienses, porém, só tem até o dia 8 de agosto para ver a peça. Construído pelo arquiteto e maquetista Anotonio José Pereira de Oliveira, o modelo sairá em turnê pela Europa entre os meses de setembro e dezembro deste ano.

A peça será a principal atração da exposição Brasília 50 anos – meio século da capital do Brasil, que passará por Portugal e na Espanha no segundo semestre. Também é provável que a Alemanha ganhe uma versão da mostra, já que a cidade de Munique já demonstrou interesse pelo evento. Além da maquete, que mede 6 x 4,8 metros, a mostra vai reunir fotografias da capital brasileira, documentos de época, obras de arte e um ciclo de filmes sobre a cidade projetada por Oscar Niemeyer. A maquete ainda fará uma escala em Milão, na Itália, mas sem os demais materiais que compõem a mostra itinerante.

Enquanto isso, aqui no Brasil uma nova exposição sobre a cidade de Niemeyer abre suas portas no próximo dia 19 de julho, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) da capital federal. A mostra Brasília e o Construtivismo: um encontro adiado explora a relação entre a cidade e o movimento artístico surgido na década de 1950. Embora esse estilo tivesse uma relação muito próxima com o modernismo, que orientou a construção da capital federal, ele acabou ficando de fora do plano urbanístico brasiliense. O objetivo da exposição é resgatar essas semelhanças artísticas e arquitetônicas, por meio de obras de consagrados nomes do construtivismo, como Lygia Clark e Hélio Oiticica.

Quando a MPB era realmente popular...



Documentário Uma noite em 67, que estreia no próximo dia 30, conta os bastidores da “época de ouro” dos festivais


Diante de uma plateia em polvorosa, Edu Lobo, Marília Medalha e o Quarteto Novo interpretam Ponteio, canção vencedora do III Festival da Música Popular Brasileira (FMPB) da TV Record. O público vai ao delírio, mal se escuta a voz dos cantores. Poderia ser um estádio de futebol, mas não: é o Teatro Paramount, em São Paulo, que naquela noite de 21 de outubro de 1967 foi palco de um dos marcos da história da música no Brasil.

Esse é o ponto de partida de Uma noite em 67, documentário de Renato Terra e Ricardo Calil que estreia no próximo dia 30 nos cinemas de todo o país. O título traduz bem o espírito da obra. Tudo se passa em uma única noite, a da final do III FMPB, que é reconstituída por meio de imagens de arquivo e entrevistas.

Sérgio Ricardo reflete sobre a desclassificação de sua Beto bom de bola depois que ele quebrou seu violão. Roberto Carlos conta por que interpretou um samba, Maria, carnaval e cinzas, que conquistou o quinto lugar da competição. Caetano Veloso e Gilberto Gil falam da ousadia de subir ao palco com duas bandas de rock para interpretar Alegria, alegria e Domingo no parque, músicas que ficaram em quarto e segundo lugar, respectivamente. E Chico Buarque explica o sucesso de Roda viva, terceira colocada no festival.

O resultado é uma espécie de making of histórico. Com o distanciamento no tempo, os entrevistados desconstroem boa parte do mito romântico criado em torno da “idade de ouro” da MPB. O primeiro a fazer isso é o próprio produtor dos festivais da TV Record, Solano Ribeiro. Ao comentar a final de 1967, ele afirma que naquele momento ninguém tinha consciência da dimensão artística, política e sociológica do evento. Aquilo era apenas um programa de televisão, afirma.

O jornalista e crítico musical Nelson Motta, compositor de uma das canções que concorriam em 1967, vai além: segundo ele, naquela época as telenovelas ainda não faziam o sucesso que fazem hoje e os programas mais populares da TV eram os musicais. A agitação em torno dos festivais, portanto, tinha muito a ver com a busca da Record por audiência.

Paulinho Machado de Carvalho, então diretor da emissora, diz que os festivais eram um espetáculo no qual cada artista desempenhava um papel: “Tinha de ser como luta livre: tinha o mocinho, o vilão, a heroína, etc”. Chico Buarque afirma que os arranjos das músicas apresentadas seguiam uma fórmula, pensada para cativar o público à primeira vista. Por fim, Edu Lobo conta que o público apostava para ver que canção ia ganhar. “Você era um cavalo”, resume o compositor.

Nada disso, porém, tira o valor artístico da música da época. Chico Buarque estava denunciando a repressão da ditadura militar em cadeia nacional, Caetano Veloso falava de guerrilha e amor livre no horário nobre e Gilberto Gil transformava uma história típica da classe trabalhadora em um sucesso da música jovem e de massas. Não era pouca coisa.

O grande mérito do documentário é mostrar em que condições específicas a MPB foi capaz de mobilizar multidões no Brasil. Deixa claro, assim, que Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil não são modelos eternos e universais, mas sim a expressão de um determinado momento histórico: uma época em que a MPB realmente foi popular.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O apocalíptico 21 de dezembro de 2012...

Cientistas da NASA e estudiosos da religião maia refutam as catástrofes supostamente previstas pelo calendário do povo mesoamericano

Profecias de antigas civilizações são sempre intrigantes. Por isso, diversos livros, sites, filmes e documentários têm explorado a previsão supostamente feita pelos maias de que o mundo acabaria em 21 de dezembro de 2012. A previsão de catástrofe, no entanto, não encontra respaldo entre os cientistas.

Intérpretes do calendário maia sugerem que nessa data haverá um alinhamento celeste entre e o Sol e o centro da galáxia, fenômeno que terá consequências nefastas para o planeta. A tese, no entanto, foi categoricamente refutada pelos cientistas da Agência Espacial Americana (Nasa). Segundo os astrônomos, não há nada de extraordinário nesse alinhamento, que ocorre todo mês de dezembro, e o Sol e o centro galáctico nem sequer coincidirão exatamente em 2012.

Até para estudiosos de fenômenos extraterrestres a profecia maia sobre o fim do mundo não passa de um erro de análise. Para o peruano Ricardo González, os maias nunca se referiram à destruição do planeta. O que estaria indicado para o fatídico 21/12/12 seria o fim de um ciclo, iniciado em 3113 a.C. A boa notícia é que, segundo González, o suposto novo ciclo, a ser inaugurado em 22 de dezembro de 2012, promete ser mais positivo e trará mais esperança para a humanidade.

França prepara “lista da vergonha”...

Governo do país anuncia a publicação na internet dos nomes dos cidadãos que colaboraram com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial

O governo da França anunciou que, a partir de 2015, disponibilizará na internet uma lista com os nomes de todos os cidadãos que colaboraram com a ocupação alemã do país durante a Segunda Guerra. A data marca o fim do “prazo de validade” de 75 anos do sigilo legal dos registros produzidos durante o período de invasão nazista, entre 1940 e 1944.

Essas informações virão de relatórios policiais que até agora são mantidos em arquivos governamentais franceses e no Museu de Coleções Históricas da Prefeitura de Polícia, em Paris. O governo promete escanear todos os documentos do período, incluindo interrogatórios e registros de prisões.

As informações reveladas ajudarão a escrever novos capítulos da história da França na Segunda Guerra Mundial. Conforme apontou a jornalista Nabila Ramdani em nota no jornal inglês The Guardian, a existência de dados mais precisos sobre a colaboração francesa com o regime de Hitler e com a deportação de judeus e demais opositores do nazismo pode levar os pesquisadores a reavaliar a história da Resistência Francesa.

Os documentos produzidos em 1940 serão divulgados em 2015. A partir de então, gradativamente os demais registros serão publicados ao longo de quatro anos.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Rasputin se recusa a morrer...

A alucinante história da morte do mago e curandeiro da realeza russa que, em uma única noite, foi envenenado, alvejado por tiros e mutilado, mas se recusou a morrer nas mãos de seus assassinos.


Barba desgrenhada, cabelos maltratados e olhar magnético: em 1916, este filho de camponeses semianalfabeto era o homem mais poderoso da Rússia


O místico ao lado de Mikhail Putyatin e do coronel Dmitry Loman, em 1905: influência nas diversas instâncias do governo russo.


O príncipe Iussupov, mentor do complô para assassinar o conselheiro místico do czar, e sua esposa, Irina.


A família do último imperador russo foi exterminada pelos revolucionários bolcheviques dois anos após a morte de Rasputin, exatamente como ele profetizou.


Em 1916, Grigori Iefimovitch Novykh, vulgo Rasputin, era o homem mais poderoso da Rússia. Dizem que tinha um olhar penetrante e magnético, compatível com a fama de místico que ampliava seu poder pessoal. De fato, exercia indiscutível fascínio sobre o frágil czar Nicolau II e sua bem-amada esposa, a imperatriz Alexandra Feodorovna.
Mas o poder de Rasputin não era nem um pouco oculto. Apoiava- se na excepcional ascendência que tinha sobre os monarcas absolutos da Rússia de então. Ele nomeava ministros do mesmo modo que os derrubava.
Sua aparência era desagradável. Filho de camponeses (então chamados “mujiques”, sinônimo de pobreza associada à servidão), o mago era sujo e grosseiro: a barba estava sempre desgrenhada, e os cabelos eram compridos, maltratados e gordurosos. Mal sabia ler e escrever.
Príncipes e grão-duques ficavam chocados diante da visão daquele homem. A população o temia. A nobreza espalhava boatos de que ele seria o responsável por todas as agruras pelas quais o país passava na Primeira Guerra Mundial, e as más línguas o acusavam, infundadamente, de ser amante da czarina, além de agente da inimiga Alemanha. Alguns conspiravam para assassiná-lo, o que ele não ignorava.
No início de dezembro daquele ano de 1916, Rasputin enviou a Nicolau II uma carta profética: Czar de todas as Rússias, tenho o pressentimento de que até o final do ano eu deixarei este mundo. Serei assassinado, já não estarei entre vós. Se eu for morto por gente do povo, gente como eu, tu não tens nada a temer, continuarás no trono. Mas, se eu for morto por nobres, as mãos deles ficarão manchadas pelo meu sangue. Eles se odiarão e matarão uns aos outros. Dentro de 25 anos não restará um único nobre neste país. Nenhum parente teu, nenhum de teus filhos sobreviverá mais de dois anos. O povo russo dará cabo de todos. Assim, depois que eu desaparecer, tem cuidado, pensa bem, protege-te. Diz a todos os teus que derramei meu sangue por eles. Reza, reza, sê forte, pensa em tua família.
Alguns dias depois, em 29 de dezembro de 1916, um telefonema anônimo avisou Rasputin de um perigo iminente, mas sem mais detalhes. Um pouco mais tarde, Protopopov, ministro do Interior, foi pessoalmente pedir que ele se trancasse em casa. Tudo em vão, pois à meia-noite, o místico se vestiu e se perfumou para sair. Usou uma camisa azul celeste, bordada de flores de girassol, e uma calça preta e bufante de veludo, além de botas de cano alto de verniz.
Uma noitada social aguardava o enjeitado filho de camponeses no palácio Iussupov, o ambiente mais luxuoso de Petrogrado (atual São Petersburgo). O carro do próprio príncipe Félix Iussupov foi buscá-lo em casa para o programa: conhecer sua casa e sua jovem esposa, Irina; em seguida, os três buscariam diversão fora dali, com os ciganos.
Era uma armadilha. Na realidade, Irina estava em Ialta, na Crimeia. O príncipe havia organizado uma farsa. No salão do primeiro andar, um fonógrafo tocava árias de dança, como se a dona da casa estivesse dando uma recepção para a alta sociedade local. Na verdade, ali estavam somente os quatro cúmplices do príncipe: o grão-duque Dimitri Pavlovitch, o deputado Purichkevitch, o tenente Sukhotin e o médico Lazovert. Para produzir o som de vozes femininas, eles tinham convocado Marianna Defelden, parente de Dimitri, e Vera Karalli, bailarina do balé Bolshoi.
Quando chegaram, Rasputin ouviu o som do fonógrafo. O príncipe lhe disse que a esposa tinha convidados importantes, mas prestes a partir, e que ambos deveriam esperar bebendo algo em uma encantadora sala íntima de refeições, no subsolo do palácio. O fogo da lareira ajudava a iluminar a decoração perfeita e a mesinha com quatro copos, algumas garrafas, biscoitos e um prato com docinhos de chocolate. Docinhos envenenados com cianureto de potássio pelo doutor Lazovert. Também havia veneno em dois dos quatro copos – para que não houvesse chance de erro na dose.
Rasputin e Iussupov sentaram-se e puseram-se a conversar. Nervosamente, o dono da casa ofereceu o prato com os docinhos. Rasputin recusou, pois não gostava de doces, o que sua filha Matryona confirmaria posteriormente. O príncipe ficou desconcertado, e o convidado acabou aceitando um e depois outro. Iussupov não tirava os olhos dele, ansioso por detectar os efeitos do veneno, mas nada acontecia. Ofereceu, então, um excelente vinho da Crimeia. Nova recusa, nova ansiedade. Por fim, o próprio Rasputin encheu os dois copos vazios. Brindaram. Ele gostava de vinho, pediu para ser servido novamente. Iussupov conseguiu então dar a ele um dos dois copos que continham veneno. Rasputin bebeu de um só gole, sem perceber nem gosto nem cheiro suspeito, e... nada aconteceu. Aquele homem parecia invulnerável!
Aterrorizado, Iussupov desculpou-se e subiu ao primeiro andar, para avisar seus cúmplices que o veneno não fazia efeito: Rasputin tinha seguramente parte com o diabo. O príncipe desceu novamente. “Nós nos sentamos de frente um para o outro e bebemos em silêncio”, contaria ele em suas Memórias. “Rasputin me olhava com um sorriso zombeteiro, como que dizendo: ‘Estás vendo, não podes nada contra mim’. De repente, ele me lançou um olhar de ódio. Um olhar diabólico.”
Passaram-se duas horas, e Rasputin se impacientava, vendo que Irina não chegava. Os quatro conspiradores, no limite de seus nervos, se perguntavam se não seria melhor descer de uma vez e acabar com Rasputin. Iussupov ia e voltava de um andar a outro. Argumentava que seu hóspede era capaz de uma reação terrível se visse os quatro chegarem juntos. Se Dimitri lhe emprestasse seu revólver, ele mesmo abateria o convidado!
O príncipe desceu novamente, com a arma escondida. Ao chegar ao subsolo, ficou por um momento contemplando o crucifixo sobre a escrivaninha. “Vê como esse Cristo é bonito”, disse ao convidado. “Faz o sinal da cruz diante dele e reza uma oração.” Obrigando a vítima a fazer o sinal da cruz, esperava exorcizar o demônio que protegia seu inimigo. Talvez por intuição, Rasputin teve um momento de apreensão, mas seu adversário não lhe deu tempo de se recompor. Empunhou a arma e acertou-o no peito. Com um grito, Rasputin desabou no chão. Ao ouvir o ruído, os quatro cúmplices entraram correndo e levaram o corpo do infeliz, em convulsão, até o pátio. Antes de irem jogar o corpo no rio, os quatro voltaram ao primeiro andar, para se despedir das duas senhoras e avisá-las de que o crime estava consumado.
Iussupov desceu novamente para contemplar o cadáver, conferiu o pulso e, acreditando que o coração já não batia, sacudiu o corpo com toda força e o deixou cair com violência sobre a neve. De repente, Rasputin abriu um olho, e em seguida o outro. “Aconteceu então algo inacreditável”, continua Iussupov em seu relato. “Rasputin reuniu todas as suas forças. Com um pulo, se levantou, espumando pela boca, e avançou sobre mim, com um rugido assombroso. Com os dedos trêmulos, se agarrou a meus ombros, depois ao meu pescoço, tentando me estrangular. Ele urrava meu nome.”
O príncipe contou que empurrou Rasputin com todas as forças e conseguiu se soltar. Do alto da escadaria, Purichkevitch ouviu o príncipe pedir: “Atira! Ele ainda está vivo”. O cúmplice desceu, com um pesado revólver na mão. Viu Rasputin avançar sobre o príncipe no pátio, aos gritos: “Félix, Félix, eu vou contar à czarina!”. Purichkevitch se lançou em sua perseguição e atirou duas vezes, mas errou. Chegou então o grão-duque Dimitri, o único militar do grupo, acostumado a usar uma arma. Este também atirou duas vezes: a primeira bala atingiu Rasputin nas costas; a segunda, na cabeça, o derrubou no chão, sobre a neve.
Diante das duas mulheres assustadas, os homens exultaram. Descontrolado, Iussupov atacou violentamente o corpo e, depois, mandou o mordomo apagar os vestígios de sangue. Para ter um álibi, matou com um tiro na boca seu cachorro mais fiel, para o caso de alguém declarar posteriormente ter ouvido estampidos de armas.
Purichkevitch, Sukhotin e Lazovert, por sua vez, enrolaram Rasputin em um cobertor, amarraram com uma corda e o levaram de carro até uma ponte. Ali, o alçaram sobre o parapeito, sobre a capa de gelo que recobria o rio Neva e procuraram uma brecha para lançar o corpo às águas.
Na pressa, esqueceram de pesos que fizessem o cadáver afundar. Dois dias depois, a 200 metros da ponte, surgiu o morto coberto de gelo e horrivelmente mutilado. Mais surpreendente eram suas mãos: estavam erguidas, como se tentassem se soltar das cordas. A autópsia revelou a presença de água nos pulmões, prova de que apesar do veneno, das balas e dos golpes que sofrera, ainda respirava quando foi jogado na água. Morreu afogado e de frio.
Toda a cidade soube então da morte do místico. Uma multidão acorreu ao local, munida de baldes e garrafas, para pegar a água que tinha estado em contato com seu corpo, como que para recolher uma parcela de sua força sobrenatural. A polícia identificou rapidamente os assassinos.
Na alta sociedade as pessoas comemoraram a vitória da “pátria” sobre o suposto traidor, mas o povo passou a vê-lo como mártir – o homem vindo da miséria, que defendia os interesses dos pobres junto ao czar, assassinado pela nobreza.
Para a czarina, foi uma tragédia: ela perdia aquele em quem depositava toda a sua confiança, um homem de Deus, aquele que lhe dava segurança. Alexandra viu nas mãos erguidas do morto um presságio sinistro: tudo desmoronaria na Rússia. Tinha razão. Um ano e meio depois, na madrugada de 16 para 17 de julho de 1918, ela foi assassinada pelos bolcheviques, assim como seu marido e seus cinco filhos.
Nicolau II não era tolo. Ficou horrorizado com as circunstâncias do assassinato. Todavia sabia que, se aquele tipo de processo evoluísse publicamente, seu prestígio político e seu trono correriam perigo. Mandou expulsar os assassinos da cidade e ordenou o encerramento das investigações.