terça-feira, 20 de julho de 2010

Quando a MPB era realmente popular...



Documentário Uma noite em 67, que estreia no próximo dia 30, conta os bastidores da “época de ouro” dos festivais


Diante de uma plateia em polvorosa, Edu Lobo, Marília Medalha e o Quarteto Novo interpretam Ponteio, canção vencedora do III Festival da Música Popular Brasileira (FMPB) da TV Record. O público vai ao delírio, mal se escuta a voz dos cantores. Poderia ser um estádio de futebol, mas não: é o Teatro Paramount, em São Paulo, que naquela noite de 21 de outubro de 1967 foi palco de um dos marcos da história da música no Brasil.

Esse é o ponto de partida de Uma noite em 67, documentário de Renato Terra e Ricardo Calil que estreia no próximo dia 30 nos cinemas de todo o país. O título traduz bem o espírito da obra. Tudo se passa em uma única noite, a da final do III FMPB, que é reconstituída por meio de imagens de arquivo e entrevistas.

Sérgio Ricardo reflete sobre a desclassificação de sua Beto bom de bola depois que ele quebrou seu violão. Roberto Carlos conta por que interpretou um samba, Maria, carnaval e cinzas, que conquistou o quinto lugar da competição. Caetano Veloso e Gilberto Gil falam da ousadia de subir ao palco com duas bandas de rock para interpretar Alegria, alegria e Domingo no parque, músicas que ficaram em quarto e segundo lugar, respectivamente. E Chico Buarque explica o sucesso de Roda viva, terceira colocada no festival.

O resultado é uma espécie de making of histórico. Com o distanciamento no tempo, os entrevistados desconstroem boa parte do mito romântico criado em torno da “idade de ouro” da MPB. O primeiro a fazer isso é o próprio produtor dos festivais da TV Record, Solano Ribeiro. Ao comentar a final de 1967, ele afirma que naquele momento ninguém tinha consciência da dimensão artística, política e sociológica do evento. Aquilo era apenas um programa de televisão, afirma.

O jornalista e crítico musical Nelson Motta, compositor de uma das canções que concorriam em 1967, vai além: segundo ele, naquela época as telenovelas ainda não faziam o sucesso que fazem hoje e os programas mais populares da TV eram os musicais. A agitação em torno dos festivais, portanto, tinha muito a ver com a busca da Record por audiência.

Paulinho Machado de Carvalho, então diretor da emissora, diz que os festivais eram um espetáculo no qual cada artista desempenhava um papel: “Tinha de ser como luta livre: tinha o mocinho, o vilão, a heroína, etc”. Chico Buarque afirma que os arranjos das músicas apresentadas seguiam uma fórmula, pensada para cativar o público à primeira vista. Por fim, Edu Lobo conta que o público apostava para ver que canção ia ganhar. “Você era um cavalo”, resume o compositor.

Nada disso, porém, tira o valor artístico da música da época. Chico Buarque estava denunciando a repressão da ditadura militar em cadeia nacional, Caetano Veloso falava de guerrilha e amor livre no horário nobre e Gilberto Gil transformava uma história típica da classe trabalhadora em um sucesso da música jovem e de massas. Não era pouca coisa.

O grande mérito do documentário é mostrar em que condições específicas a MPB foi capaz de mobilizar multidões no Brasil. Deixa claro, assim, que Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil não são modelos eternos e universais, mas sim a expressão de um determinado momento histórico: uma época em que a MPB realmente foi popular.

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