Documentário Uma noite em 67, que estreia no próximo dia 30, conta os bastidores da “época de ouro” dos festivais
Diante de uma plateia em polvorosa, Edu Lobo, Marília Medalha e o Quarteto Novo interpretam Ponteio, canção vencedora do III Festival da Música Popular Brasileira (FMPB) da TV Record. O público vai ao delírio, mal se escuta a voz dos cantores. Poderia ser um estádio de futebol, mas não: é o Teatro Paramount, em São Paulo, que naquela noite de 21 de outubro de 1967 foi palco de um dos marcos da história da música no Brasil.
Esse é o ponto de partida de Uma noite em 67, documentário de Renato Terra e Ricardo Calil que estreia no próximo dia 30 nos cinemas de todo o país. O título traduz bem o espírito da obra. Tudo se passa em uma única noite, a da final do III FMPB, que é reconstituída por meio de imagens de arquivo e entrevistas.
Sérgio Ricardo reflete sobre a desclassificação de sua Beto bom de bola depois que ele quebrou seu violão. Roberto Carlos conta por que interpretou um samba, Maria, carnaval e cinzas, que conquistou o quinto lugar da competição. Caetano Veloso e Gilberto Gil falam da ousadia de subir ao palco com duas bandas de rock para interpretar Alegria, alegria e Domingo no parque, músicas que ficaram em quarto e segundo lugar, respectivamente. E Chico Buarque explica o sucesso de Roda viva, terceira colocada no festival.
O resultado é uma espécie de making of histórico. Com o distanciamento no tempo, os entrevistados desconstroem boa parte do mito romântico criado em torno da “idade de ouro” da MPB. O primeiro a fazer isso é o próprio produtor dos festivais da TV Record, Solano Ribeiro. Ao comentar a final de 1967, ele afirma que naquele momento ninguém tinha consciência da dimensão artística, política e sociológica do evento. Aquilo era apenas um programa de televisão, afirma.
O jornalista e crítico musical Nelson Motta, compositor de uma das canções que concorriam em 1967, vai além: segundo ele, naquela época as telenovelas ainda não faziam o sucesso que fazem hoje e os programas mais populares da TV eram os musicais. A agitação em torno dos festivais, portanto, tinha muito a ver com a busca da Record por audiência.
Paulinho Machado de Carvalho, então diretor da emissora, diz que os festivais eram um espetáculo no qual cada artista desempenhava um papel: “Tinha de ser como luta livre: tinha o mocinho, o vilão, a heroína, etc”. Chico Buarque afirma que os arranjos das músicas apresentadas seguiam uma fórmula, pensada para cativar o público à primeira vista. Por fim, Edu Lobo conta que o público apostava para ver que canção ia ganhar. “Você era um cavalo”, resume o compositor.
Nada disso, porém, tira o valor artístico da música da época. Chico Buarque estava denunciando a repressão da ditadura militar em cadeia nacional, Caetano Veloso falava de guerrilha e amor livre no horário nobre e Gilberto Gil transformava uma história típica da classe trabalhadora em um sucesso da música jovem e de massas. Não era pouca coisa.
O grande mérito do documentário é mostrar em que condições específicas a MPB foi capaz de mobilizar multidões no Brasil. Deixa claro, assim, que Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil não são modelos eternos e universais, mas sim a expressão de um determinado momento histórico: uma época em que a MPB realmente foi popular.
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